Cinema

Colhões e entranhas

 Por Leandro Afonso 

Guerra Civil Espanhola. Num circo, crianças se divertem, mas com ressalvas. Aos poucos, a gargalhada vira um canto de boca e fica menor que a tensão. O som ao redor não ameniza. Pressentimos uma desgraça.

Aparece um grupo uniformizado que não está de bom humor, nem quer ninguém assim. Um palhaço tenta dialogar, sabe que corre risco de vida. Seu colega nem tanto. A caricatura do militar reage. “Seu amigo tem colhões. (…) Mas só com colhões, não se ganha uma guerra”. Tensão descamba para violência. Livre arbítrio e princípios são artigos de luxo. Um menino vê seu pai levado, contra a vontade. Entram os créditos, acompanhados de uma trilha sonora que só potencializa impressão de um porvir com muita agressividade e pouca gentileza.

No resto da projeção, Balada do Amor e do Ódio (Balada Triste de Trompeta, 2010), de Álex de la Iglesia, confirma tudo que apresenta. Imagens e sentimentos sem firulas. Dor, medo, ódio, vingança, nada vem acompanhado de um “por favor”. Temos guerra, morte, opressão, um trauma que reverbera. E temos o que só uma feliz tradução infiel poderia adiantar.

Dois palhaços, uma mulher. Eles têm personalidades distintas, o essencial para a trama. Ela é uma mulher estupenda, a inspiração pro pecado bíblico, quem cede e faz ceder sem esforço. Com os três, o amor e o ódio são carnais, o desejo é maior que qualquer escrúpulo. Acompanhado de vingança, do sentimento de posse, de ciúme, pouco importa. O que importa é a satisfação dos impulsos.

Os efeitos especiais em um acidente histórico chegam a ser toscos, nem tudo chega espetacularmente filmado, mas tudo chega com vontade, com tesão.

A apresentação de Natalia, sua dança no Kojak, a primeira conversa entre Sergio e Javier, as cenas de sexo. Elas são parte de uma abordagem que foca o primitivo. Não interessa a versão celestial de cada um. Como bem diz Javier, “a morte une as pessoas”.

Aqui, é o terreno que impera e um não enxerga o outro como semelhante, mas como rival. Minutos antes do desfecho, uma cena espetacular reúne o desespero e um monumento espanhol, em deleite de beleza e angústia. Nela e nas últimas duas expressões que vemos, a motivação vem dos colhões, em forma de coragem e de libido. A sensibilidade e a dor vêm das entranhas. Como todo o filme.

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